{ à estátua colorida
que há cem anos dormia
e acordou sem sua cor }
'oh, que susto!', ela pensou
despertou em preto e branco
desolada, estava aos prantos
e bem baixinho sussurrou
'encontrarei o malfeitor...'
desbotaram-lhe as bochechas
a pintura dos seus olhos
e o batom cor de cereja
já não tinha qualquer viço
e nem as flores no cabelo
sumiu-lhe até o brinco!
chorava, chorava...
quem roubou seu arco-íris
ó, estátua tão bonita
minha doce amarílis?
procurou pelas estrelas
nos brinquedos, guloseimas
no oceano, nas gavetas
até nos potes de aquarela
e nada de achar as cores dela
foi até num picadeiro
na arena viu de tudo
malabares, bailarinas
e um palhaço bem matuto
encheu-se de esperança
e ao encontro do mágico
perguntou sem relutância
'há cores dentro da sua cartola?'
ele debochou e nem deu bola
desgostosa e descontente, parou na livraria
perguntou para a atendente
'aqui vende livros, não vende?'
a moça logo notou sua triste fisionomia
folheou livro por livro
admirou cada desenho
se encantou com o colorido
esfregou na sua pele
mas não teve desempenho
cansada de ziguezague
refastelou-se sob uma árvore
avistou um fotógrafo inerte
curiosa, deu-lhe boa tarde
ele sorriu desajeitado
ela achou graça do seu jeito
mas não hesitou em tirar proveito
'moço, você me tira um retrato?'
e no clique do obturador
ela imaginou de volta a sua cor
mas ao ver sua fotografia
foi-se qualquer resquício de alegria
olhou bem o pedaço de papel
passarinhos amarelos, outros cor de mel
rosas e violetas esparramadas pelo chão
mas as cores da coitada, ali não estavam não
exausta, continuou sua andança
chegou a uma casinha bem modesta
ficou feliz que nem criança
'ah, um aconchego no meio da floresta!'
entrou sem nenhuma cerimônia
deparou-se com um homem sério
maltrapilho, bigodudo e usava boina
ele achou a invasão um baita despautério!
ela contou sua história
ele achou tudo muito estranho
mas dos seus olhos castanhos
uma lágrima caiu quase simplória
ofereceu-lhe o seu ofício
'sou pintor, olha pra isso!'
mostrou-lhe um arsenal de tintas
ela riu, riu, riu...
como sempre estava linda
(mesmo assim, descolorida)
pediu ao pintor as cores da sua paleta
'por favor, começa pintando a minha cabeça?'
e o artista pincelou sua bochecha
devolveu à sua boca a cor de cereja
fez o brilho do cabelo reaparecer
pintou os seus olhos coloridos
tão astuto, refez até seu brinco
pois moldava muito bem o papel machê
assim, o malfeitor era só uma lembrança
ela passou a achar besta aquela ideia de vingança
voltou para onde sempre viveu
subiu em seu pedestal, lá naquele antigo museu
então cercou-se de mil cores latentes
vestiu as suas roupas prediletas
e foi visitada por muita gente importante
dentre tantos, o mágico, o pintor e o poeta
viveu ali para todo o sempre
bem mais bonita do que antes
'Amarílis' | fotografia (Fernando Bernardes) + colagem digital | texto 2011 Ouça 'Amarílis' aqui: |
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